CENSO FAZ-SE, SENSO NÃO!

O Instituto Nacional de Estatística (INE) de Angola está a fazer a actualização cartográfica do país, para definir as áreas a seleccionar no Recenseamento Geral da Habitação e População, que se vai realizar em 2024.

Numa nota de encerramento da actividade de recolha de dados do censo piloto, que decorreu de 19 de Julho a 5 de Setembro deste ano, o INE refere que, nas províncias de Luanda, Bengo, Bié, Lunda Norte, Cuando Cubango, Uíge e Cunene, foram recolhidos “dados de casos especiais seguido da recolha aos agregados familiares”.

De acordo com o INE, esta intervenção foi realizada em 410 secções censitárias, correspondendo ao mesmo número de agentes de campo.

“A realização do Censo Piloto permitiu aferir no terreno, em termos de recolha de dados, cerca de 35.549 agregados familiares, de 309 edifícios”, lê-se na nota.

Entre os vários desafios, destaca, foi possível testar, fundamentalmente, as dificuldades relacionadas com a interpretação dos instrumentos de recolha (questionário), manuseio de ‘Tablet’, resistência dos materiais e equipamentos, movimentação dos técnicos nas áreas de difícil acesso, intervenção das autoridades locais e tradicionais na sensibilização da população, e a compreensão do questionário por parte dos indivíduos nos agregados familiares.

“Neste momento, o INE está a levar a cabo a actualização cartográfica em todo país, essa operação permitirá ter uma fotografia mais actualizada da geografia do país e, portanto, definir as áreas a seleccionar para a recolha principal. O INE apela à participação e colaboração da população neste importante projecto”, refere o documento.

Angola vai realizar o seu segundo censo depois da independência, em 1975, no próximo ano, dez anos depois do último, em 2014, estando o início do processo marcado para o dia 19 de Julho de 2024.

O director-geral do INE, José Calengi, disse que o censo vai abranger as 18 províncias, 164 municípios e 562 comunas, distritos, bairros e aldeias, nas áreas urbanas e rurais, com uma duração de 30 dias.

“O Censo está a ser financiado, maioritariamente, pelo Governo de Angola, mas conta com algum apoio financeiro do Banco Mundial e assistência técnica do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP)”, disse José Calengi, recentemente, em entrevista ao Jornal de Angola.

Segundo o director-geral do INE, para o censo, o país conta também com assistência técnica de consultoria internacional do Brasil, África do Sul e Portugal e apoio de Cabo Verde.

José Calengi diz que se estima para Angola, em 2024, uma população de cerca de 35,1 milhões de habitantes, tendo em conta a taxa de natalidade, mortalidade e outros factores.

“Nós temos um trabalho de estimativa que vai até 2050 e para 2024, nós estimamos uma população de cerca de 35.121.734 habitantes, tendo em conta a taxa de natalidade, de mortalidade e outros factores associados ao cálculo desta projecção”, referiu o director-geral do INE.

Segundo José Calengi, a taxa de crescimento da população ronda os 3%, sendo que anualmente a média de crescimento é de 922 mil habitantes.

Para o censo geral da população no próximo ano, o Presidente angolano, general João Lourenço, criou uma comissão multissectorial de apoio à realização deste trabalho. O ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente da República (general Francisco Pereira Furtado), que coordena a comissão, deve – desde Janeiro – apresentar mensalmente ao Chefe de Estado um relatório sobre o desenvolvimento dos trabalhos, no prazo de 15 dias, após a publicação do despacho que entrou em vigor no dia 30 de Dezembro.

O último Censo Geral da População e Habitação de Angola foi realizado entre os dias 16 e 31 de Maio de 2014 e os dados globais nacionais definitivos apontaram para uma população nacional acima dos 25,7 milhões de pessoas.

Em 2014, o processo envolveu cerca de 105 mil pessoas e um orçamento de 20 milhões de dólares. Em 1970, cinco anos antes da entrega do país ao MPLA, Angola tinha mais de cinco milhões de habitantes.

OUTROS CENSOS, A MESMA INSENSATEZ

O Recenseamento Agro-Pecuário e Pescas (RAPP) do país, lançado em Agosto de 2020, foi sinal inequívoco de que Angola pretende colocar o sector produtivo no centro das prioridades, afirmou na altura o ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior. Esqueceu-se de dizer que prometeu, em Novembro de 2019, que o RAPP arrancaria em Fevereiro. Mas há mais. Muito mais.

O RAPP é um “processo” que conta(va) com 25 milhões de dólares do Banco Mundial (BM) e apoio técnico do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura (FAO). Isto para além de já ter sido oficialmente anunciado como tendo começado no dia 18 de Fevereiro de 2019. Já para não esquecer o primeiro recenseamento que teria arrancado em Novembro de 2018. Refira-se, entretanto, que o primeiro censo agro-pecuário foi realizado em Angola em… 1961, na era colonial portuguesa.

Segundo o coordenador-adjunto do RAPP, Anderson Jerónimo, a operação teria a duração de dez meses e seria executado por mais de 800 recenseadores. O RAPP teve a coordenação do Instituto Nacional de Estatística (INE), coadjuvado pelos Ministérios da Agricultura e Florestas e das Pescas e do Mar.

Anderson Jerónimo referiu que o censo iria, vai, irá permitir recolher informação, inexistente até ao momento, sobre a malha produtiva e piscatória de Angola.

“Este acto marca uma fase importante, em que o país está a relançar a produção nacional, onde diversos operadores privados, estrangeiros, e demais precisam de informação para fazer os seus planos de negócio”, referiu o responsável em declarações emitidas a 1 de Novembro de 2019 pela rádio pública do MPLA.

Segundo Anderson Jerónimo, os dados a serem recolhidos seriam importantes também para instituições de ensino e aquelas com interesse a nível do relançamento da produção, tendo em conta que “precisam de números fiáveis, com maior detalhe possível, para produzir os documentos que podem melhorar a elaboração dos planos, as estratégias e ainda permitir o maior controlo e aplicação da política pública”.

Antecedeu o censo que arrancou em Fevereiro de 2020, uma experiência piloto nas províncias do Uíge, Cuanza Sul, Moxico, Benguela e Cunene, que permitiu fazer o diagnóstico da situação e precaver eventuais falhas durante o processo real. Real, não exactamente. Talvez um dia.

Incompetência aliada à aldrabice

Então é assim. Angola lançou no dia 18 de Fevereiro de 2019, 58 anos depois, a primeira fase do primeiro censo agro-pecuário da sua história enquanto país independente, projecto orçado – de acordo com o divulgado na altura – em 24,9 milhões de dólares (21,6 milhões de euros) financiados pelo Banco Mundial (BM). Na verdade, como Folha 8 então divulgou, era pelo menos um segundo lançamento. O primeiro foi anunciado em Novembro de 2018 e chamava-se – curiosamente – Recenseamento Agro-Pecuário e Pescas (RAPP).

A cerimónia de lançamento da primeira fase do censo, virada essencialmente para a formação técnica, foi realizada na província de Benguela pelo então director do Instituto Nacional de Estatística (INE) de Angola, Camilo Ceita.

Segundo o chefe de Departamento de Inquéritos e Censos do INE, Paulo Fonseca, o processo, que compreenderia quatro etapas, começaria em Março nas províncias de Benguela, Cunene, Cuanza Sul, Moxico e Uíje.

Paulo Fonseca adiantou que a primeira etapa iria estar virada para a formação de pessoal seleccionado para integrar as comissões provinciais e municipais.

A segunda fase decorreria em Luanda, também em Março (entre dias 11 e 22) e visava formar os futuros formadores, com a terceira a abranger a formação dos agentes no terreno e a última a recolha de dados.

Por sua vez, o director do INE reconheceu alguns desafios que se iriam enfrentar durante o processo, solicitando maior colaboração dos administradores municipais, realçando sobretudo as dívidas às autoridades tradicionais ainda por pagar e referentes ao Censo Geral da População, realizado em 2014.

“Eu reconheço que temos uma dívida com as autoridades tradicionais (cerca de seis mil sobas), com os quais trabalhamos durante o Censo Geral da População (2014), mas dificuldades financeiras que se colocaram a partir de Junho de 2014 levaram a essa situação, que espero que seja resolvida tão logo haja recursos”, referiu Camilo Ceita, citado pela Angop.

O censo agro-pecuário centra-se na recolha estatística, processamento e divulgação sobre a estrutura da agricultura, pecuária e pescas em todo o país. O primeiro censo agro-pecuário, recorde-se, foi realizado em Angola em 1961, na era colonial portuguesa.

Mesmo que não seja para valer, convém ir dando a imagem de que Angola é mesmo um Estado a sério e sério. Recorde-se que o Recenseamento Agro-Pecuário e Pescas (RAPP) 2018-2019 (ou censo) em 28 de Novembro de 2018, em Luanda, foi para ajudar o Governo a obter dados actualizados e a definir as novas políticas de actuação nestes dois sectores.

O director do INE, obviamente Camilo Ceita, que discursou no lançamento, considerou o RAPP uma operação “estatística exaustiva”, diferente do Censo Populacional, dada a especificidade no que concerne ao número de unidades agro-pecuárias e a sua disposição geográfica, tipo de propriedade, uso e aproveitamento da terra, posse e uso de meios de produção e tecnologia empregue.

“O RAPP é um dos recenseamentos mais complicados de se fazer, sobretudo para um país com uma extensão territorial como o nosso e questões como quantas cabeças de gado o país tem, a nossa capacidade de gestão de culturas e a dimensão de terras aráveis: estas e outras questões fazem parte do questionário que teremos de fazer nos próximos 12 meses”, declarou.

Camilo Ceita explicou que o RAPP foi, iria, incidir também em outros aspectos como características sociodemográficas de cada região (identificadas no seio dos agregados familiares) das explorações, agrícolas, pecuárias, agro-pecuárias ou piscatórias, acesso aos insumos, recursos humanos, maquinaria, posse e uso de terra, irrigação, culturas anuais e permanentes, efectivo pecuário e acesso aos serviços veterinários.

O programa do RAPP, segundo o Jornal de Angola, previa consultas públicas em várias regiões do país. No dia 28 de Novembro de 2018 foi realizado um encontro com as direcções nacionais e provinciais da Agricultura e Pescas, associações empresariais, sociedade civil, engenheiros agrónomos e investigadores científicos da região norte que compreende as províncias de Luanda, Uíge, Cabinda, Zaire, Bengo e Cuanza-Norte.

De 16 a 18 de Dezembro, segundo Camilo Ceita, as consultas seriam feitas em duas regiões em simultâneo, Centro-Sul e Leste. A ideia, disse Camilo Ceita, é recolher contribuições destas instituições para o reforço do programa do RAPP. O INE previa apresentar os dados do RAPP no último trimestre de 2019.

O RAPP 2018-2019 foi aprovado pelo Decreto Presidencial nº 189/18, de 7 de Agosto, que estabelece as normas para a sua realização, e o Decreto nº 194/18, de 20 de Agosto.

Registe-se que nas próprias conclusões do Gabinete Central do Recenseamento Agro-Pecuário e Pescas, é referido no ponto 31 que “o INE, MINAGRIF (Ministério da Agricultura e Florestas) e o MINPESMAR (Ministério das Pescas e do Mar) devem continuar a realizar pesquisas sobre os arquivos relativos ao 1º Recenseamento Agro-Pecuário realizado antes da independência no sentido da sua localização”.

Folha 8 com Lusa

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